domingo, 9 de março de 2014

Sobre nomes de ruas

 

Almanaque das ruas

 
A Sãopaulo foi atrás de histórias e curiosidades sobre algumas das 55 mil vias oficiais da cidade
LETÍCIA MORI
Conhece a rua Borboletas Psicodélicas? E a Rola Cabocla? Denominações estranhas como essas não faltam no universo das 55 mil vias oficiais paulistanas.
Maneira mais fácil de homenagear alguém, os nomes de ruas fazem referências a músicas, a personagens históricos e até a torturadores. Ou simplesmente não fazem nenhum sentido –não há no Arquivo Histórico explicação para os nomes de cerca de 2.000 logradouros.
Há também as ruas de comércio especializado, conhecidas pelo produto que ali é vendido –são 60, de acordo com a SPTuris. Leia nas próximas páginas fatos, histórias e curiosidades sobre as vias paulistanas.
O golpe de 1964 ainda está nas ruas
"Sou contra. Vai trocar o nome de um bandido pelo de outro bandido", diz Helena, moradora da rua Doutor Sérgio Fleury, na Vila Leopoldina (zona oeste), quando questionada sobre a mudança de nome da via. Fleury atuou no Dops, órgão ligado à tortura durante a ditadura militar. Ele é uma figuras históricas ligadas ao período que ainda nomeiam vias.
Homenageado numa avenida no Grajaú (zona sul), o general Golbery do Couto e Silva foi um dos idealizadores do regime. Já o general Olímpio Mourão Filho, nome de rua na Vila São Francisco (zona oeste), ajudou a organizar o golpe de 1964. Castelo Branco, presidente de 1964 a 1967, virou nome da rodovia que vai da capital a Santa Cruz do Rio Pardo, no interior do Estado.
Há sempre um vereador de olho em modificar a nomenclatura dessas vias. Só em relação ao elevado Costa e Silva, o Minhocão, já foram feitos projetos de Nabil Bonduki (PT) e dos então vereadores Eliseu Gabriel (PSB) e Soninha Francine (PPS).
Uma lei, aprovada em abril de 2013, tornou mais fácil a renomeação, mas ela depende dos próprios moradores.
Segundo a legislação, é preciso aprovação de dois terços dos residentes para a mudança.
Os moradores da rua Sérgio Fleury já receberam a visita da Secretaria de Direitos Humanos e do vereador Orlando Silva (PCdoB) para tentar convencê-los a trocar o nome para Frei Tito, um dos opositores do regime que foi torturado por Fleury. A maioria se opõe.
Segundo a nutricionista Andrea Riskala, 47, que organiza as reuniões, o maioria dos vizinhos é contra pois acredita que a mudança vai trazer transtornos com a escritura do imóvel, com o banco e fornecedores de serviços como internet e energia elétrica.
"É claro que é ridículo homenagear uma pessoas como ele, mas nem entramos nesse mérito", diz ela. "Além disso, a gente também acha que existem assuntos mais importantes para os vereadores tratarem do que a mudança do nome de ruas."
Ou não: segundo um levantamento da sãopaulo, mais de 80% dos projetos aprovados na câmara entre 2009 e 2012 correspondiam a homenagens a personagens ilustres, batismos de ruas e novas datas no calendário.
Itens médicos
Especializada em itens médicos e material hospitalar, a rua Borges Lagoa, na Vila Clementino, é um clubinho de gente de avental branco circulando, muitos deles estudantes e recém-formados pesquisando seus primeiros instrumentos.Próxima ao mesmo tempo do Hospital São Paulo, do Hospital do Servidor Público Estadual e da Escola Paulista de Medicina, se consolidou na área nos últimos 30 anos.
Reformada
Na tentativa de se tornar um "shopping a céu aberto" e conseguir mais público, a rua João Cachoeira, cheia de lojas de roupas, foi totalmente reformada em 2003. Em uma obra paga em parte pela prefeitura e em parte pela associação de lojistas da região, teve a fiação enterrada, ganhou bancos, floreiras novas calçadas e nova iluminação. Ainda está longe de ser um shopping, mas virou praia de muitos paulistas.
Eletrônicos
Antes de se tornar a meca dos aficionados em eletrônicos, nos anos 1980 e 1990, quando walkmans e videocassetes eram vendidos a rodo, a rua Santa Ifigênia, no bairro de mesmo nome, era um centro de comércio de luxo. Abrigava as melhores lojas de peles, tecidos e chapéus femininos. Ali só compravam as famílias ricas que viviam no bairro de Campos Elíseos.
Decoração e design
Conhecida pelas lojas de decoração de luxo e com móveis de designers renomados, a alameda Gabriel Monteiro da Silva, no Jardim Paulistano, foi aberta no início do século 20. Por ser passagem de bonde, na década de 1920 já era uma das ruas mais movimentadas bairro. Algumas galerias de arte se instalaram na região nos anos 1970, mas a via ainda era principalmente residencial. Foi nos anos 2000 que diversas lojas de móveis pipocaram na rua para atender à demanda dos escritórios que estavam se transferindo para av. Brigadeiro Faria Lima, onde a Gabriel desemboca. Na época, a maioria era irregular –só em 2004 uma mudança no zoneamento permitiu alguns tipos de comércio por ali, como lojas de decoração e consultórios médicos. Hoje há cerca de 60 lojas por ali.
Iluminação
De dia, nenhuma rua é tão iluminada quando a da Consolação, onde os raios do sol se refletem nos milhares de lustres de cristal expostos nas vitrines. São cerca de 40 lojas que vendem itens de iluminação de todos os tipos. A rua dos lustres, como hoje é conhecida, se tornou uma via importante em meados do séc. 18 por ser o principal caminho do centro até a avenida Paulista. As primeiras lojas de lustres se instalaram na década de 50, mais ou menos na mesma época em que o leito da rua foi ampliado. Os principais clientes eram os donos dos casarões da Paulista.Atualmente em reforma, a loja Bobadilha é a mais antiga em funcionamento: foi criada em 1951, e até hoje vende lustres clássicos e sisudos, ideais para iluminar um grande salão.
Evangélica
Nem todos os clientes das lojas Lírio do Vale, Recanto dos Evangélicos e Total Gospel, na rua Conde de Sarzedas, no centro, usam ternos completos e saias jeans até os joelhos. Mas se quiserem comprar artigos gospel, vão encontrar em abundância na mesma rua. Especializada em itens evangélicos como bíblias e CD's de músicas religiosas, a via só não tem santinhos –não há lojas católicas por ali.
Móveis e música
Violão, violinos, violas e violoncelos. E guitarras, baterias, caixas acústicas, pianos e teclados. Dá para montar uma banda entre cinco quarteirões da rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros, onde há um pequeno polo de lojas de instrumentos musicais. Os estabelecimentos que vendem móveis, no entanto, chegaram primeiro: se instalaram algumas ruas para baixo na década de 1950, deslocadas do largo de Pinheiros e do largo da Batata.
Ali, anteriormente, havia algumas manufaturas de móveis como consequência da venda de madeira.
Hoje, as duas áreas de comércio especializado atraem cada uma seu público alvo: famílias e recém-casados se acotovelam na parte baixa da rua e metaleiros e músicos de toda laia se encontram na parte alta.
Bairro criado em 2009 na ZL tem ruas musicais
Quem quer chegar à travessa Salve a Mocidade, no Jardim da Conquista (zona leste), precisa pegar a travessa Anos Dourados, virar a direita na Somos Todos Iguais e à esquerda na travessa Um Violeiro Toca. Passando as travessas Sangue Latino e Samba de Gesso, chega-se ao destino.
O caminho é íngreme e as ruas, estreitas. O bairro foi criado em 2009 a partir da regularização de uma ocupação que durou duas décadas.
Sendo uma área muito grande nomeada de uma vez, cada via ganhou nome de uma música popular retirada do Banco de Nomes da prefeitura.
Criado em 1977, o Banco de Nomes era formado por mais de 20 mil fichas com nomes para futuras ruas. Hoje ele é todo digital.
Alguns dos moradores do Jardim da Conquista nem conhecem as canções. "Me disseram que são músicas, mas nunca ouvi nenhuma, não", diz Kelly dos Santos, 19. Outros elogiam a escolha. "É samba, é lindo. Mas é só no nome, o que toca mesmo aqui é baile funk", reclama dona Laura, 60.
A nomeação temática é comum quando diversas ruas são batizadas de uma vez; e faz surgir nomes inusitados, como os mostrados ao lado.
fonte:http://www1.folha.uol.com.br/revista/saopaulo/2014/02/16/1412662-almanaque-das-ruas.shtml

Raças e latidos impronunciáveis

A língua do crack

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

As três Teresinhas de Ivan AngelO

O NOME E O PERFUME
 17.jan.2014 por Ivan Angelo
 
Tive três namoradas com o nome de Terezinha, assim, no diminutivo. Coincidência? Claro. Destino, superstições, bruxas e fadas são matérias de ficção. Admito, porém, que tenho uma, vamos dizer, história com esse nome, e com o que lhe deu origem, Teresa.
O bairro onde morei primeiro e por muitos anos chama-se Santa Teresa, em Belo Horizonte. Fui batizado e fiz a primeira comunhão na Igreja de Santa Teresa. O bonde que me dava um destino na cidade chamava-se Santa Teresa, e o time que arrancou meus primeiros gritos de “gol!” foi o... adivinharam. Em São Paulo, meu primeiro casamento aconteceu na Igreja de Santa Terezinha, em Higienópolis. Na viagem de núpcias, um dos melhores lugares foi a ilha grega de Santorini, no Mar Egeu, que os antigos chamavam de Thera, ou Thira.
Que significa um nome, pergunta o Romeu de Shakespeare a Julieta, se aquela que chamamos rosa teria igual perfume com qualquer outro nome? Alguém pode não saber: Teresa tem origem grega, quer dizer “a que vem da ilha de Thera”. Na forma arcaica, Therasia, era o nome da mulher do bispo São Paulino de Nola, no século V; também arcaica é a grafia Tareja, o nome da mãe do primeiro rei de Portugal; já com escrita moderna temos a santa espanhola Teresa de Ávila, do século XVI, e depois dela o nome ganhou o mundo; Thérèse de Lisieux, francesa do século XIX, veio a ser a Teresa do Menino Jesus, que, em Portugal, onde mais?, virou Terezinha. Chegamos aonde eu queria.
Minha primeira Terezinha era moça difícil de beijar. Eu fazia estágio como aspirante a oficial da reserva no 10º Regimento de Infantaria, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Um drama aguentar quartel, marchas a pé e motorizadas, acampamentos, exercícios de reconhecimento e medição de terreno, uma tolice em tempos de paz, amenizada pela doce Terezinha. O estágio durou três meses, o namoro menos. Moça, como disse, difícil de beijar. Mesmo depois de conseguir, era difícil recomeçar no dia seguinte, partíamos praticamente do zero. Ela trabalhava na tecelagem, onde se faziam meias, camisetas, roupas de malha. Cabelos pretos, pele muito clara e secreta, vislumbres de brancuras à luz da lua. Dei a ela, no fim do estágio, em despedida chorosa de parte a parte, um anel de pedra verde, esperança de voltar. Não voltei, querendo voltar. Juiz de Fora não fazia sentido no meu futuro.
Ah! Antes tive alguma coisa com uma perturbadora Teresa, até escrevi um conto a respeito, Meio Covarde. Salto essa. Sem diminutivo, era fera devoradora, e estou falando aqui das suaves Terezinhas.
A segunda trabalhava com um amigo na área cultural de BH. Preta, delicada, suavíssima de voz, de pele, de intenções. Levou-me a conhecer a família, em casa gostosa de mangueiras. “Minha filha quer casar”, a mãe dela me disse quando surgiu o momento, como a prevenir ousadias, fraquezas. Eu já tinha um Fusca azul. Passeios à praia em remanso do Rio das Velhas, de antes da poluição, na vizinha Santa Luzia. “Aí não”, ela pedia. O luar pintava um cenário de obviedades acadêmicas.
A terceira, conheci na redação do jornal. Tinha namorado, e eu, mulher e filhas — um caso que não podia dar certo. Estamos juntos há 23 anos.