O PowerPoint era o invento que faltava. Permite projetar na parede o que antes era colocado em garranchos escritos no quadro-negro. Fim do pó do giz. Fim da perda de tempo esperando o professor escrever. Viva o império das cores, dos desenhos elegantes, dos sons, dos hipertextos (com Youtube e animações). Fim das falhas de memória, pois, uma vez bem feito, dura para sempre. Mas, se necessário, corrigimos em segundos. Para a sucata o retro projetor, que precisava de ajudante para passar seus acetatos caros, que não aceitavam correções, que caíam no chão e se misturavam.

Só que, na prática, costuma ser um desastre. Cruzes! Lá vem um PowerPoint chatíssimo! Mas no escurinho, indecisa entre ouvir e ler, a platéia cochila. Aliás, está proibido cada vez mais em empresas e, no exército americano, fala-se me “morte por PowerPoint”. Os erros se repetem, começando com o congestionamento visual. Cores demais, borboletas, plim-plins, acordes dramáticos, desenhos de mau gosto, pletora de caracteres tipográficos conflitantes, informações periféricas á aula, logotipos e outros balangandãs. Depois vem o excesso de informações e de slides, sobrecarregados com textos intermináveis. Culmina com o erro fatal: O texto lido! Como lemos cinco vezes mais rápido do que o professor fala, passamos a sua frente. Ou seja, o pobre professor levou para a aula um concorrente que tomou a sua cena, pois já lemos o texto e não escutamos mais o que ele diz.

Há uma regra clássica: se alguém que não assistiu à aula recebe o PowerPoint e o entende, está errado por excesso. Os slides terão arruinado a aula, arrancando-a do professor e deixando desgovernada a atenção da platéia. Aliás, se é para ler, o que faz lá o conferencista? O texto dos slides deve ser apenas um recurso mnemônico, para fixar os conceitos mencionados e para criar a arquitetura mental das principais idéias. Que fique claro: o PowerPoint não substitui nem o professor nem as leituras. O que ele substitui é o quadro negro! Ele é um resumo e, bem sabemos, não se aprende em resumos. Serve para fixar na memória as grandes idéias. Para aprender, precisamos dos exemplos e dos detalhes.

O PowerPoint é maravilhoso, se for bem usado. Visualmente, precisa ser de extrema simplicidade. Se a figura não vale mil palavras, lixo com ela. Já se disse, quem vê Steve Jobs e Bill Gates usá-lo aprende tudo de que precisa. Imitemos o supremo despojamento de Jobs e seremos bem-sucedidos. Imitemos Gates e afundaremos na barafunda visual.

Se Jesus usasse PowerPoint, não teria discípulos, pois histórias, parábolas, contos e narrativas são enredos na contramão das listas mostradas nos slides. Não se contam histórias emocionantes com ele. É impossível narrar uma aventura em PowerPoint (vá lá projetar o mapa). A sua lógica é a enumeração, e nem tudo pode ser transformado em uma lista. Para deduzir um teorema, mostrar uma lei da física ou fazer conexões lógicas, precisamos recorrer a gráficos ou a outra lógica de apresentação, fugindo dos “marcadores” (bullets) enfiados goela abaixo dos usuários.

Para quem quer encontrar o bom caminho do PowerPoint, o livro Presentation Zen é a redenção. O autor nos lembra que nosso cérebro tem um hemisfério esquerdo, que cuida da razão, e um direito, encarregado das emoções, das evocações. Uma boa aula, ativa na platéia os dois hemisférios: inspira ao direito e explica ao esquerdo. E com qual hemisfério o PowerPoint vai se comunicar? Se falar ao esquerdo, da razão, vai competir com as palavras do professor. É o desastre anunciado. Nele, as poucas palavras são para reter na memória as idéias ouvidas, não para lançá-las. Portanto, sua missão deve evocar, inspirar, infiltrar sentimentos. Daí a importância da escolha judiciosa das imagens. Melhor que seja fotografias (abundantes no Google imagens), e que se fuja, como o diabo da cruz, da Clip-art e dos desenhos humorísticos.

Diante disso tudo, só resta uma solução: exigir carteira de habilitação para usar PowerPoint. Vamos a auto escola e tiramos carteira, para reduzir o risco de atropelar uma velhinha na primeira esquina. Então, carteira para usar PowerPoint, para evitar que barbeiragens ponham a perder o potencial educativo de um recurso tão extraordinário, mas que pode ser usado também para confundir a platéia e mentir.

Cláudio de Moura Castro
Revista Veja, 11 agosto de 2010