quarta-feira, 11 de setembro de 2013

MOTEL OU HOTEL?

(M?) (H?)otel

A pergunta que me faço sempre que passo pelo luminoso, há anos, é se estamos diante de um M disfarçado de H ou de um H que finge ser M. Embora as duas hipóteses encontrem argumentos, tendo a me inclinar em direção à primeira: trata-se de um motel envergonhado.

O estabelecimento fica quase na Raposo Tavares -e é esse "quase", acredito, que explica sua indecisão. Logo ali, menos de três quilômetros adiante, os Ms já não terão pudor de exibir seus rubros decotes à beira da estrada: Motel L'Amour, Motel Belle, Sedutti e Fox Trot Motel. Uma estrada, contudo, é uma estrada, uma cidade é uma cidade. O ambíguo luminoso brilha entre uma imobiliária e uma casa de família: suas piscadelas vão para os trabalhadores no ponto de ônibus, para os estudantes da USP, para a secretária que, a caminho do metrô, compra uns chocolates do ambulante. É melhor que as lâmpadas brancas não esclareçam totalmente os contornos da moldura vermelha: assim, só quem sabe o que busca verá, no sorriso discreto do H, o púbis desnudo do M.

Ou não -como diria o poeta. Afinal, por que teria de se esconder, um motel? Um motel não é um bordel. Ninguém se choca com sua existência. Não atrai "gente diferenciada". Associações de bairro não tentam evitar sua construção. O Feliciano, a bispa Sônia ou o papa, até onde eu sei, jamais fizeram dele o alvo de seus recalques. Será que, em vez de um motel envergonhado, estamos diante de um hotel atrevido? Um pequeno hotel cujo peso das contas a pagar, todo mês, acabou por flexibilizar o austero H, levando-o a ampliar seu público? Se o caminhoneiro cansado quiser dormir algumas horas antes de seguir para Sorocaba, encontrará uma cama limpa. Se o casal afobado não aguentar chegar à Raposo, terá uma cama redonda.

Motel acanhado ou hotel saidinho, a mesma dúvida me traz: como lidará a clientela com tal indecisão gráfica e mercadológica? Convenhamos, a única concordância entre quem busca o sono e quem procura o sexo é sobre a conveniência de um colchão: afora isso, tudo os separa. Uns aspiram ao silêncio decorativo, no qual espelharão a tranquilidade domiciliar, os outros desejam exatamente o contrário, o estímulo excêntrico que os faça esquecer do tédio do lar.

Tentar unir roncos e gemidos parece uma receita para o fracasso e, no entanto, o negócio resiste, há anos. Ocorre-me agora que ele talvez perdure não apesar da ambiguidade, mas justamente por causa dela. As lâmpadas brancas, sem esclarecer totalmente os contornos da moldura vermelha, não são a senha para quem sabe o que busca, mas um convite aos trabalhadores no ponto de ônibus, à secretária comprando chocolates, ao ambulante, aos estudantes da USP, ao caminhoneiro a caminho de Sorocaba. Quem sabe se as promessas de aventura do motel, somadas ao lastro de segurança de um hotel, não trazem vez por outra certas ideias a esses incautos pedestres que, atraídos pelo sorriso discreto do H, acabam seguindo a seta do M? Talvez as duas letras, mais do que divergentes, sejam consoantes.

fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/2013/08/1331654-mhotel.shtml

sábado, 7 de setembro de 2013

PROPAGANDA SEDEX sobre Sinônimos( ou metonímia, perifrase?)


SEDEX lança campanha bem-humorada sobre sinônimos

Publicado em 22 de julho de 2013 por Correios

Sinônimos – essa é a nova campanha da marca SEDEX, lançada neste domingo (21). A partir de uma brincadeira com a semântica das palavras, o vídeo mostra a percepção da população brasileira em relação a esse serviço dos Correios.

A ideia do filme é brincar com os nomes de produtos conhecidos pela população, mostrando como algumas marcas são tão admiradas que se tornam sinônimo de toda a categoria. O jogo de palavras é feito com o SEDEX, reforçando a liderança em um mercado concorrencial e a qualidade da marca.

A campanha ficará no ar nos próximos meses, com divulgação em televisão aberta e fechada, rádio, revista, jornal, mídia exterior e internet.


terça-feira, 3 de setembro de 2013

Sobre o ato de criação literária


 
 
            (1) Não é fácil lembrar-me de como e por que escrevi um conto ou um romance. Depois que se despegam de mim também eu os estranho. Não se trata de “transe”, mas concentração no escrever parece tirar a consciência do que não tenha sido o  escrever propriamente dito. (2) Alguma coisa, porém, posso tentar reconstruir, se é que é importa, e se responde ao que me foi perguntado.
            (3) O que me lembro do conto “Feliz Aniversário”, por exemplo, é de uma festa que não foi deferente de outras de aniversário;mas aquela que era um dia pesado de verão, e acho até que nem pus a idéia de verão no conto. (4) Tive uma “impressão”, de onde resultaram algumas linhas, a história inteira nasceu, com uma rapidez de quem estivesse transcrevendo cena já vista – e no entanto nada do que escrevi aconteceu naquela ou em outra festa. (5) Muito tempo depois um amigo perguntou-me de quem era aquela avó. Respondi que era a avó dos outros. ( 6) Dois dias depois a verdadeira resposta me veio espontânea,  com surpresa: descobri que aquela avó era minha mesma e dela era só conhecera, em criança, um retrato, nada mais.
 
LISPECTOR,Clarice. Explicação inútil. In: ____ Para não esquecer. São Paulo: Ática, 1984.