A LÍNGUA NO MUSEU
Ruy de Castro
RIO DE JANEIRO - Numa próxima ida a São Paulo, vou voltar ao
Museu da Língua Portuguesa. Acabo de saber ("Ilustrada", 31/8) que os
textos de seu espaço expositivo ainda estão na velha ortografia --ou seja, na
língua como a conhecíamos, antes do "acordo" assinado em 2008 por
parte dos membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (leia-se o
Brasil). Preciso fazer isto antes de 31 de dezembro, quando a nova ortografia
será obrigatória, e o trema, por exemplo, irá se juntar aos extintos mamutes,
pterodáctilos e leitores de Pearl S. Buck.
Lá, terei o prazer de ler palavras como
"pingüim", "lingüista" ou "desmilingüido", com o
velho trema. Penso até em lê-las em voz alta, se ninguém estiver olhando, e
lambendo cada trema como Chicabon --antes que sejam reduzidas a "pinguim",
"linguista" e "desmilinguido" e assim comecem a ser ditas
pelos jovens que não sabem como elas soavam. Aliás, passei pelo problema outro
dia nesta coluna, quando reproduzi o trecho da letra do samba "O
Pato", que diz "O pato/ Vinha cantando alegremente/ Quem-quem".
Escrevi, como sói, "qüem-qüem", mesmo
sabendo que meus tremas não chegariam vivos ao jornal impresso, e que a única
pessoa que leria "quem-quem" como "qüem-qüem" seria o
professor Evanildo Bechara, um dos autores da reforma. Quando a coluna saiu,
submeti-a a alguns jovens pouco versados em bossa nova. Todos pronunciaram
"quem-quem". E se, um dia, Evanildo for chamado de
"linguista", e não "lingüista"?
O poeta mineiro Abgar Renault (1901-1995), que não
aderiu às reformas de 1943 e 1971, morreu escrevendo "phosphoro",
"pthysica" e "portuguez". Seguindo seu exemplo, continuarei
a escrever "qüem-qüem" e deixarei a meus editores a tarefa de
expurgar os tremas.
Acho que o Museu da Língua Portuguesa deveria
continuar na velha ortografia. Afinal, é um museu, não?
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