Deixem estar
Ivan Angelo | 16/08/2006
Largo da Batata... Viriam aqui comerciar os batateiros de
antigamente? E era tanta batata assim? Bairro do Limão... Haveria ali, no
passado, limoeiros perfumando as várzeas e encostas, durante a florada? Viaduto
do Chá... Que espécie de chá seria, e quem o consumia naqueles tempos
cafeeiros? Freguesia do Ó: não um espanto, como pode parecer, mas uma
invocação...
Tenho muita simpatia pelos antigos nomes de lugares na cidade, não escamoteados ainda pela bajulação dos vereadores e administradores, que trocam denominações evocativas e históricas por nomes, muitas vezes, de poderosos sem mérito e familiares desconhecidos. Sim, devemos homenagear figuras históricas, mas por que não em ruas, praças, pontes e viadutos novos? Na cidade que descuida da memória, perdemos não só prédios históricos, mas nomes também. Deixem estar os nomes.
Já perdemos tanta poesia e graça por culpa de reformadores... A Rua Triste e a Rua Alegre corriam paralelas em Santa Ifigênia, uma ia para o cemitério, a outra, para as alegrias... Hoje chamam-se Cásper Líbero e Brigadeiro Tobias. Felizmente ainda existem a Estrada das Lágrimas, a Rua do Bosque, o Largo da Memória, a Rua Tanquinho... Perdemos referências históricas. O Largo da Forca, onde ficava a última forca da cidade, virou Praça da Liberdade; o Largo do Pelourinho é agora de Sete de Setembro; o Pátio da Cadeia virou Praça João Mendes.
Nomes divertidos sumiram, alguém deve ter pensado que não ficavam bem numa capital de grande destino. O Beco dos Chifres, também referido como dos Cornos, ficava na região de um antigo matadouro e hoje se chama Álvares Machado. O Beco do Mata-Fome tornou-se Rua Araújo.
Não é saudosismo, porque esse inventário de perdas nos mostra que perdemos até o que nunca tivemos, o que já não tínhamos quando aqui chegamos, há duas ou três gerações. Já não eram nossos nomes de ruas e lugares que talvez nos contassem alguma coisa sobre o que fomos antes de sermos.
Proclama-se a República e oportunamente desaparecem as ruas do Imperador, da Imperatriz, da Princesa, do Príncipe, do Conde d'Eu, trocados por nomes republicanos; aparece a Praça da República.
À parte o oportunismo político, seria bom que alguns nomes tivessem sido preservados, pois nos remeteriam a uma época em que outras pessoas andaram pelos mesmos caminhos e deram a eles nomes que indicavam um destino, ensinavam o melhor rumo a seguir, marcavam referências nos trajetos. Se havia uma bica, era a rua da biquinha, se havia uma igreja, era a da igreja tal.
Assim, a Rua da Caixa d'Água, onde havia o reservatório, virou Barão de Paranapiacaba; a Estrada da Água Branca, que levava para o sítio do mesmo nome e para Jundiaí, tinha um significado que Rua Turiaçu não tem; a Rua do Rosário levava para a Igreja do Rosário; a Rua Baixa de São Bento informava o que 25 de Março não informa. Quando se abriu o bairro de Santa Ifigênia, a Rua dos Bambus era a principal, hoje é a Avenida Rio Branco. E a Rua do Jogo da Bola, hoje Benjamin Constant – que jogo seria aquele que dava nome a uma rua?
Em compensação, outras mantêm o nome, embora a coisa indicada já não exista. Porto Geral era o nome de um beco que levava ao porto do rio, quando por ali passava o Tamanduateí, na sétima volta do seu serpenteio pela baixada. Rua do Lavapés, onde havia um riacho em que os viajantes lavavam os pés antes de entrar na cidade. Rua das Palmeiras... que é delas? Perdizes, Casa Verde, Limão, Pinheiros... O tempo comeu a senhora criadora de perdizes, as irmãs solteironas da Casa Verde, a chácara dos limoeiros, as araucárias dos morros... – mas as palavras, essas ficaram, teimosas, insinuantes.
Quem pensa nessas coisas transita pela cidade com um discreto sentimento de perda.
Tenho muita simpatia pelos antigos nomes de lugares na cidade, não escamoteados ainda pela bajulação dos vereadores e administradores, que trocam denominações evocativas e históricas por nomes, muitas vezes, de poderosos sem mérito e familiares desconhecidos. Sim, devemos homenagear figuras históricas, mas por que não em ruas, praças, pontes e viadutos novos? Na cidade que descuida da memória, perdemos não só prédios históricos, mas nomes também. Deixem estar os nomes.
Já perdemos tanta poesia e graça por culpa de reformadores... A Rua Triste e a Rua Alegre corriam paralelas em Santa Ifigênia, uma ia para o cemitério, a outra, para as alegrias... Hoje chamam-se Cásper Líbero e Brigadeiro Tobias. Felizmente ainda existem a Estrada das Lágrimas, a Rua do Bosque, o Largo da Memória, a Rua Tanquinho... Perdemos referências históricas. O Largo da Forca, onde ficava a última forca da cidade, virou Praça da Liberdade; o Largo do Pelourinho é agora de Sete de Setembro; o Pátio da Cadeia virou Praça João Mendes.
Nomes divertidos sumiram, alguém deve ter pensado que não ficavam bem numa capital de grande destino. O Beco dos Chifres, também referido como dos Cornos, ficava na região de um antigo matadouro e hoje se chama Álvares Machado. O Beco do Mata-Fome tornou-se Rua Araújo.
Não é saudosismo, porque esse inventário de perdas nos mostra que perdemos até o que nunca tivemos, o que já não tínhamos quando aqui chegamos, há duas ou três gerações. Já não eram nossos nomes de ruas e lugares que talvez nos contassem alguma coisa sobre o que fomos antes de sermos.
Proclama-se a República e oportunamente desaparecem as ruas do Imperador, da Imperatriz, da Princesa, do Príncipe, do Conde d'Eu, trocados por nomes republicanos; aparece a Praça da República.
À parte o oportunismo político, seria bom que alguns nomes tivessem sido preservados, pois nos remeteriam a uma época em que outras pessoas andaram pelos mesmos caminhos e deram a eles nomes que indicavam um destino, ensinavam o melhor rumo a seguir, marcavam referências nos trajetos. Se havia uma bica, era a rua da biquinha, se havia uma igreja, era a da igreja tal.
Assim, a Rua da Caixa d'Água, onde havia o reservatório, virou Barão de Paranapiacaba; a Estrada da Água Branca, que levava para o sítio do mesmo nome e para Jundiaí, tinha um significado que Rua Turiaçu não tem; a Rua do Rosário levava para a Igreja do Rosário; a Rua Baixa de São Bento informava o que 25 de Março não informa. Quando se abriu o bairro de Santa Ifigênia, a Rua dos Bambus era a principal, hoje é a Avenida Rio Branco. E a Rua do Jogo da Bola, hoje Benjamin Constant – que jogo seria aquele que dava nome a uma rua?
Em compensação, outras mantêm o nome, embora a coisa indicada já não exista. Porto Geral era o nome de um beco que levava ao porto do rio, quando por ali passava o Tamanduateí, na sétima volta do seu serpenteio pela baixada. Rua do Lavapés, onde havia um riacho em que os viajantes lavavam os pés antes de entrar na cidade. Rua das Palmeiras... que é delas? Perdizes, Casa Verde, Limão, Pinheiros... O tempo comeu a senhora criadora de perdizes, as irmãs solteironas da Casa Verde, a chácara dos limoeiros, as araucárias dos morros... – mas as palavras, essas ficaram, teimosas, insinuantes.
Quem pensa nessas coisas transita pela cidade com um discreto sentimento de perda.
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