Crônica de Ivan Angelo
Desculpe
o título, que pode ter levado você, leitor, ao engano de precaver-se contra
alguma anedota preconceituosa ou, se é dos que apreciam tal anedotário, à
decepção de não encontrar aqui o que esperava. O título se refere à língua
portuguesa, “inculta e bela”, hoje também trôpega.
Trôpega,
entre outras coisas, porque na língua falada no Brasil se abusa de expressões
que não são necessárias para o sentido do que se fala, servem apenas de bengala
para quem fala, nas quais as pessoas se apoiam no intuito de ganhar um tempinho
para encaminhar melhor a ideia, ou que para nada servem, a não ser talvez
manter o passo. Sem o abuso, tais expressões dão colorido à linguagem; com ele,
incomodam, e aí temos a fala apoiada em bengala ou, nos casos mais graves, em muleta.
Não me
refiro a cacoetes, que estes são pessoais e marcam quem fala, mas a muletas
coletivas, gerais. Cacoetes são como o do tio de um jornalista mineiro que, de
tanto encaixar aqui e ali a palavra “porém”, ganhou o apelido de tio Porém, a
quem o jornalista pandegamente chamava de “meu tio adversativo”. Ou o daquela
psicóloga mineira que, de tanto repetir “percebe”, ficou sendo a Maria Percebe.
Ou o da tia portuguesa que em cada frase mete dois “portanto”.
Você
naturalmente já ouviu falas que andam por aí de bengala.
Eis um
exemplo de bengala: “Sabia?”. Na dramaturgia fácil das telenovelas, aparece
vinte vezes por capítulo. Não se faz uma afirmação, por mais banal, sem
apoiá-la na bengala: “sabia?”. Dá vontade de dar neles com a bengala, assim: os
atores da Globo falam todos do mesmo jeito, sabia? Os mais novos vão copiando
os mais velhos, sabia? Nas novelas antigas não falavam tantos “sabia”, sabia?
Quase sempre são os atores que põem esses cacos, sabia?
Tem
bengala que já entra no começo da fala, como o “então”. Sem quê nem pra quê,
como se a pessoa concluísse uma explanação ou retomasse uma fala que não houve,
alonga-se um “então” depois de um silêncio: “Então...não sei ainda se vou fazer
pedagogia”.
Tem a
bengala explicativa: “O que acontece?”. Precede uma explicação, uma
justificativa, mas não é necessária.
Tem a
bengalinha do pronome inútil (ele, ela), sem a menor função na frase: “A
prefeitura ela demora trinta dias para fornecer uma guia”; jornalistas da
televisão dizem: “As informações elas continuam chegando”; ou: “ O leão ele não
corre de graça”.
E tem
também a bengalinha da preposição inútil “em”, sem função: “Somos em quatro”;
“Éramos em dois”.
Tem uma
bengala já antiga na língua, o “entende?”, com a qual se pretende induzir
alguém a compreender o que geralmente é simplíssimo. Joaquim Nabuco, em1900,
imaginem, 1900!, já se queixava dessa bengala e de quem a usava: “Todos nós
temos algum conhecido que pontua as suas frases com esse fatigante ‘entende?’
que os nervos do marquês de Maricá não podiam suportar. O ‘entende?’ do indivíduo
que quer forçar o ouvinte a nada perder do que ele diz”. ( "Minha
Formação", capítulo IV)
Usam-se
por aí muitas outras expressões que, quando desnecessárias nas frases, se
tornam penduricalhos: “tipo assim”, “não é verdade?” etc. Imagine uma fala
simples:
— Não sei
ainda se vou fazer pedagogia. É complicado lidar com criança. A criança exige
muito, não sabe fazer as coisas sozinha. Fico na dúvida.
Tem gente
que para dizer isso se apoia numa porção de bengalinhas:
—Então...
Não sei ainda se vou fazer pedagogia. O que acontece? É complicado lidar com
criança, sabia? A criança ela exige muito, tipo assim, não sabe fazer as coisas
sozinha, entende? Fico na dúvida, não é verdade?
Prefiro a
língua mais enxuta e exata. Entende?
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