Próprios e impróprios
Ivan Angelo
Mas por que será que tantas pessoas recusam os nomes
próprios tradicionais na hora de registrar os filhos? Estão nesse rol duas
categorias de pessoas: as ingênuas e as bregas. Buscam – e acham! – nomes
complicados, muitas vezes estranhos; inventam, misturam, importam, adaptam. Por
que não um simples João, Paulo, Pedro, Tiago, Mariana, Luísa, Camila, Luciana?
Talvez acreditem que um nome comum conduzirá o nomeado a um destino comum.
Na busca do diferente, têm
preferência sons da América do Norte. Wesley está na moda. Brian, Nathan,
Michael, Washington correm junto. Muitas vezes os pais só pegam o som, não a
grafia. Como é o caso do nome do jogador de futebol Uóshito. Ou de seus
semelhantes, que encontrei numa matéria de jornal recente: Uini (seria Winny),
Oliude (Hollywood), Estivenson (Stevenson), Viliam (William), Hantuane (difícil
reconhecer aqui o francês Antoine). Outros inventam uma pronúncia que não
existe, como o brega-chique Paôla. Porque Paola, em italiano, se pronuncia
Paula, simplesmente. Meu próprio nome é estrangeiro, russo, mas não dá muito na
vista. Encontro na reportagem nomes que não são de gente e passaram a ser:
Welcome, Pensylvania, Overland. Pode uma coisa dessas?
Há pais que recorrem a
misturas: Wandressa, Lusimélia, Roniwalter, Roseméri. Outros simplesmente
inventam: Ervane, Reulis. Quantos nomes de gente conhecida são também
estranhos? O político Pauderney, a desportista Shelda, o escritor Lêdo.
Um amigo descendente de
libanês contou-me que tinha uma tia com um nome incrível: Uruqsan. Registrado.
Não havia nada parecido no Líbano, de onde viera menina. Lá ela se chamava
Roxane. O avô contava que repetira várias vezes o nome dela para o funcionário
da imigração e este o anotara no documento. Não entendia a grafia brasileira.
Imagine, leitor, o sotaque carregado do libanês ao silabar Roxane, o
"r" palatal apoiando-se numa ausente vogal "u", o
"x" soando "cs" como em "fixa" ou "flexão",
e você estará perto de Uruqsan.
Sim, às vezes a culpa é do
cartório. Aconteceu com Millôr, que era para ser Milton mas a letra ruim do
escrivão empurrou o pequeno traço do "t" para cima do "o",
não desenhou direito a perninha do "n", e o Milton desapareceu. Meu
próprio irmão era para se chamar Jesus, como meu pai, mas um escrivão latinista
ou católico demais transformou-o em Jésus. Pode ter achado falta de respeito
alguém se chamar Jesus. Ora, é um nome popular no México, país de católicos
fervorosos.
Quando eu era menino,
falava-se de um nome absurdo, Um Dois Três de Oliveira Quatro. Dizia-se que era
real, tinha saído no jornal. Saiu também José Índio do Brasil, parece que nome
verdadeiro. No fim do cadastramento eleitoral os jornais costumavam vasculhar
listas nos cartórios, à procura de curiosidades.
Que não faltam. Não é
curioso que tantos jogadores de futebol com nomes terminados em "son"
tenham ficado famosos? A começar por Édson, o maior de todos. Confiram:
Edmilson, Denilson, Dinelson, Robson, Anderson, Edílson, Liédson, Kléberson...
Curioso também como alguns
nomes tradicionais caíram em desuso, considerados "antigos",
"feios", "de pobre", "nada a ver": Sebastião,
Eustáquio, Joaquim, Benedito, Eurico, Ifigênia, Dirce, Orlando, Vanda, Ildeu,
Amélia, Vicente, Lourdes, Raimunda, Aurora, Arlindo. E outros,
"modernos", entraram em alta, como Jéssica, Andressa, Pâmela, Gisele,
Natalie, Michel, Michelle. Não se explica. Modas...
Pensava que era um castigo
carregar um nome esquisito a vida inteira. Gozação na escola, apelidos para
amenizar, burocracia dificultando a mudança. Nada disso. O jornal diz que a
maioria adora a diferença.
fonte: revista Veja São Paulo, 2005.
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