segunda-feira, 8 de abril de 2013

... Palavras em fuga

Palavras em fuga
Ivan Angelo
Quantas vezes isso acontece? Você procura uma palavra e ela se esconde. Revira almofadas na mente, descerra portas, abre gavetas nos compartimentos do passado, bate nos bolsos da memória, levanta tapetes, ela estava bem à vista, ali, ou ali, e não mais a encontra. Palavras brincalhonas, molecas, brincando de esconde-esconde. Palavras que o evitam, mal-agradecidas, esquecidas do tempo em que delas você fez bom uso, trabalhando o que elas têm de mais caro: a precisão e a imprecisão.
Você percebe, no exato momento, que uma palavra está fugindo. No meio de um assunto, quase chegando a ela, ainda atento a duas ou três palavras que deveriam vir antes dela, a vê retirar-se, vislumbra sua fuga, persegue-a, quase a agarra pelos cabelos, ela escapa, você não consegue mais pegá-la, perdeu-a.
Pode acontecer ao contar uma piada: de repente você não consegue se lembrar de um detalhe sobre o qual se apóia toda a estrutura da piada e ela vira um desastre que o amargura; ou acontece ao contar um caso sobre uma pessoa cujo nome é essencial e ele não vem; ou ao recomendar um livro, e o título se apaga de repente junto com – oh, céus! – o nome do autor; ou ao encontrar aquele amigo de cerimônia que você sabe perfeitamente quem é, mas o nome, o nome, o nome – oh, céus!
Muitas vezes, quando a roda é amiga e acontece uma falha dessas, você estala os dedos, espera que eles funcionem como a faísca que dá a partida a um motor; ou como um estimulante: você os estala açulando os neurônios, mas neurônios não são cachorrinhos nem saltam, ativos, agitando o rabinho. Você recorre aos amigos da roda, a alguém que talvez estivesse a par daquilo de que você quer se lembrar, e começa um jogo de palavra puxa palavra, como é que se chama aquele camarada?, aquele!, e segue atirando dicas que poderiam levar o amigo a localizar o dado fugidio, mas o cérebro do amigo caminha para um lado e o seu corre para outro, não, não, não é isso, e você fornece outro dado que também não funciona, ou só funcionaria no repertório do seu próprio cérebro, que está em pane momentânea.
Outros assuntos vão entrando na conversa; a palavra desaparecida deixa de atrair a solidariedade dos amigos; algo menos trabalhoso, ou mais divertido, ou mais emocionante, ou mais urgente os conquista, e eles vão indo, e você é deixado só com seu mistério, Sherlock sem Watson.
Você pensa no seu cérebro como um computador com vírus tipo cavalo de Tróia, que espalhou inimigos por todos os caminhos: trava, não troca a tela, não abre arquivos, a busca não funciona, você clica, clica, e nada acontece.
Chega um momento em que as pessoas se dispersam e vão para seus mundos, desfaz-se aquele grupo que reconheceria pessoas e fatos e casos comuns, e ao se dispersar deixa você com aquela falha de memória, sozinho, aquela palavra escondida atrás de um muro, desafiando você, ou brincando com você, e você não consegue se libertar daquela necessidade de lembrar, e o seu dia vira um labirinto por onde você caminha procurando a palavra.
As pessoas, outras pessoas, conversam com você, parece que está tudo bem, mas você se distrai na perseguição obsessiva, porque lhe pareceu, no meio da conversa, que a tal palavra estava ali se avizinhando, ou mesmo passou, reluzente e irrecuperável, estrela cadente.
Você custa a dormir, acorda de madrugada, sente aquela faísca e lá está ela, a palavra, inteira, quieta e agora inútil.

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